Sempre antes de dormir, com tudo apagado, como se a vida estivesse em suspensão, eles conversavam.
– De quem é a culpa, Carlos?
– Por que você ainda insiste nisso? A gente não pode ter tudo.
– A coruja tinha avisado. Nós não escutamos!
– Para com essa palhaçada, Andréia! Era a melhor escolha naquele momento. Não tivemos outra alternativa.
– Tínhamos, mas nunca podíamos imaginar. Ela estava louca, apática, sem amigos… Precisava voltar a ter um agito.
– A gente tinha que ter feito algo. A gente fez. Acho que não me arrependo. Se não tivéssemos mandado ela para os EUA, a tragédia tinha acontecido antes.
– Não fala isso! Foi aquele menino estrangeiro o culpado. Eu queria encontrar com ele, olhar nos olhos dele, bater na sua cara…
– Você não ia fazer isso, Andréia. Você só iria chorar.
– Não consigo parar. Qualquer cômodo que olho me lembro de uma época da sua infância ou da adolescência. Queria ser como você, reter as lágrimas.
– Acho que segurar dói mais.
– Falando nisso, por que você chorou incompulsivamente daquela vez? O que te motivou a quebrar a TV? Eu fiquei assustada. Achei que você fosse cometer uma loucura a si mesmo como ela.
– Eu já te falei que não quero falar disso.
– Carlos, se eu estou perguntando, é porque quero saber. Nós prometemos estar juntos.
– Não sei se quero dividir isso…
– Anda, fala!
– Foi por causa do seriado. Ele disse algo que… dói.
– O quê?
– Você não vai querer saber.
– Fala, por favor. Já passamos por coisas piores.
– “You know what I find interesting? If you lose a spouse, you’re called a widow or a widower. If you are a child and lose your parents, then you are an orphan. But what is the word to describe a parent who loses a child? I guess that is just too fucking awful to even have a name”.
Depois daquelas palavras, nunca mais conversaram na cama.
José Eduardo Brum
Nossa, achei muito forte o final. Não havia, antes, pensado nisso…