Teses de Propaganda Fide

Teses de Propaganda Fide

Nada possui melhor acústica que um prédio mal construído: da sala se ouvem os quartos, os banheiros, a cozinha e as salas. Dos outros apartamentos. Ouve-se ainda mais quando os cascos da fêmea do andar de baixo batem como se fossem de cima. Meus olhos correm pelo livro como as patas martelam o corredor.

Dois andares abaixo, o sibilar transparece o sussurro que precede o interfone. Duas bruxas anunciadoras do livro sagrado querem conversar. Tentam de cima para baixo, não encontram resposta no meu e a porta se abre para os cascos alcançarem a liberdade.

A jovem abre o portão e os abutres entram como felinos atrás da presa, cercam o cervo contra a parede e lançam o veneno, um olhando nos olhos, o outro vigiando do lado.

– Santificado seja o SSSSeu nome – olha para o alto e encontra minha curiosidade. Lisonja. Regurgitam o discurso digerido por milênios ao ouvido da menina, acovardada, receptiva a qualquer salvação do temor que a cerca.

As hienas saem, a presa fecha a jaula e foge para a liberdade do apartamento, a bater os cascos infernalmente. Desde que foi feita a luz. Nada mudou.

Gustavo Burla

3 Responses

  1. Pior é quando te encontram no metrô e soltam a frase, aparentemente inocente: “Desejo que sua semana seja a melhor semana”. Então começam com o velho discurso.
    Passei por isso. A estação demorou a chegar…