O inferno que era paraíso

O inferno que era paraíso

Por toda minha infância, passando pela pré-adolescência e chegando até a juventude, eu só tinha um desejo: sair de casa. Não agüentava mais, não dava para suportar tantas regras, empecilhos e ordens. Minha mãe era uma obcecada por limpeza. Não. Ela era louca. Não! Paranóica resume melhor. Nada deveria ficar fora do lugar. Incomodava ver um par de chinelos na sala. Passava o dia inteiro tirando pó e varrendo. Só os olhos dela viam tanta sujeira. Quando falávamos em lanche, a indignação brotava em seu rosto. Ela não queria ver migalhas de pão, copos engordurados e pia cheia. Com o passar dos anos, papai lanchava no trabalho, minha irmã fazia dieta e eu vivia de vento. Só para não incomodar.

Meu pai era rígido. Super-conservador. A casa deveria estar em silêncio. Qualquer música era sinal de uma pandemia catastrófica. Não podíamos rir, nem ficar de papo no telefone. Eu acho que o sonho dele era ter sido padre pra embarcar no silêncio de um monastério. Minha irmã conseguia seguir à risca as ordens. Ela só pensava nela. Gostava de ficar isolada, pensando em quantas calorias tinha na água e se o garoto mais sujo e imundo do colégio gostava dela.

E eu só desejava sair de casa. Ansiava pela faculdade. Pela vida adulta. A liberdade era ter meu próprio espaço. Hoje vejo que era feliz e não sabia. Moro numa casa com mais três garotos que não respeitam o silêncio. Um estuda, outro dança e canta no quarto, o terceiro vê TV e eu tento estudar. Nossa pia deve ser o shopping center das baratas e outros animais. Eles não lavam e eu não quero ser empregado. Tudo o que queria era não ser importunado, queria paz.

Bem antes de entrar na faculdade, já tinha aprendido muito da vida, além de ter percebido que detestamos alguns jeitos e manias de nossos pais, até que percebemos que crescemos e nos tornamos iguais a eles.

José Eduardo Brum

One Response

  1. Às vezes temos a ilusão de que tudo será diferente.
    Diferente é, mas nem sempre melhor.
    Acabamos sentindo falta do que mais nos irritava, e a mania de limpeza acaba deixando de ser um saco e se torna uma graça!