Meu carnaval

Meu carnaval

 

Segunda-feira depois do carnaval, a tia já vem com tarefa de contar e inventar: como foi o carnaval de vocês. Detesto português, livro, ler, escrever redação. Gosto de dinheiro, de conta, de ganhar, de gastar. Meus coleguinhas já me contaram o que fizeram. Uns dizem que só não foram a praia, porque já tinham ido no ano-novo. Outros foram pra praia e exibem as marquinhas, enquanto uma meia-dúzia mente que foi.

Por onde começo minha redação? Meu carnaval começou com despedida de mamãe e de papai. Ela saiu de casa sexta e só apareceu na noite de quarta. Parecia que tinha vindo da missa das cinzas, tava toda cheia de fuligem. Passou os dias todos desfilando em blocos e dormindo na sarjeta. A mãe acha que não sei, mas eu já escutei os evangélicos da rua comentar que ela é mulher da vida, que se faz no carnaval pra manter a renda de casa.

Papai detesta samba. Resolveu, como sempre, pescar. Mas dessa vez por causa desse aquecimento do planeta e por causa do fim daquela camada que a gente não vê, ‘mais’ protege, teve insolação, ‘disidratou’ e teve queimaduras na careca de tanto que ficou num barco atrás de peixe. Tá no hospital até hoje. Pelo tempo que ficou, ele deveria ter trazido toneladas de pescado.

Meu irmão ficou comigo na sexta, mas sumiu no sábado. Ele tem o grupo dele. Fazem bagunça, bebem, se divertem… Eu fiquei sozinho. Ainda não tenho coragem pra ganhar a rua. Meus avós moram embaixo e nem me ofereceram nada. Diz eles que não vão acobertar filho crescido que vai pra farra e deixa os rebento jogado. No caso eu, que tive de comer de ‘poquinho’ em ‘poquinho’ pra não passar fome os dias todos de carnaval:

– Johny Peter, você tá pensando muito – diz a professora – Aposto que seu carnaval foi ótimo.

– Foi sim, tia. Eu e minha família fomos pra praia. E de novo.

José Eduardo Brum

2 Responses

  1. Que triste o carnaval deste menino, Zé. A quaresma dele começou bem cedo. Azar o dele. Eu fui pra praia.

    Havia muito tempo que não passava por aqui. Mas sempre quando passo me dá vontade de não sair mais. Adoro os textos de vocês e fico brincando de tentar adivinhar o autor pelo estilo. Os do Gustavo sempre acerto com mais facilidade.

    Um abraço amigos blogonautas!!!