Viagem

Viagem

De repente se acostumaram a viajar sozinhos, o que, no caso deles, equivalia quase a um casamento aberto. Não abriam roupas, nem bocas, nem coração; eram tão fiéis um ao outro como era possível ser fiel ao amor. Abertos eram os horizontes: nunca tiravam férias juntos, então, nesses momentos, era cada um por si e a saudade pelos dois.

Enquanto ele se deleitava com seus quase três meses de folga por ano, além de todos os feriados prolongados que acometiam como epidemia de gripe o calendário escolar, ela se matava em plantões sucessivos no hospital e não tinha o direito de emendar um único feriadinho para se achar brasileira de vez em quando. Por sua vez, enquanto ela se valia de seus mil e um congressos e cursos no exterior para passear por mil e um países diferentes no alívio das baixas temporadas, ele se desdobrava entre aulas, provas, notas, alunos, diários e o pouco de fôlego que sobrava depois dessa maratona.

O único momento em que conseguiam viajar juntos era durante os filmes vistos de madrugada, enrodilhados sob o edredom, entre beijos e roçares de perna para esquentar os pés. Nessas horas ainda arriscavam planos para viagens futuras e traçavam longas rotas por caminhos percorridos por personagens de cinema, só para depois suspirarem, desligarem a TV e murmurarem no escuro, no lugar do boa-noite:

– Não ligue não, meu bem… Sempre teremos Paris.

Táscia Souza

One Response

  1. autobiografia? só n entendi a parte do “filmes vistos de madrugada, enrodilhados sob o edredom, entre beijos e roçares de perna para esquentar os pés.”

    burla danado hein!