Ação social

Ação social

– Abre essa porta!

– Shhh… São quase duas da manhã…

– Que se dane. Tinha que ter pensado nisso antes de chegar em casa a essa hora.

– Não consegui chegar mais cedo.

– Tô cansada de você chegar tarde e entrar no banho e no dia seguinte vir com conversa mole de reunião até tarde.

– É da ação social…

– Mentira! Tava com uma vagabunda qualquer.

– Amor, eu…

– Não vem com essa de novo, caramba. Abre a porra da porta!

– Os vizinhos…

– Abre a porta que eu falo baixo.

– Eu posso explicar.

– Sempre assim, eu posso explicar, não é o que você está pensando. Abre logo a porta e me diz quem é a vabagunda. Deve ser muito boa pra você chegar tarde, tomar banho e ainda colocar a camisa de molho pra eu não sentir o cheiro.

– Não é isso…

– Vagabunda! Abre essa porta e conversa comigo ou estamos acabados.

– Vou abrir, mas…

– Abre logo e sem mas.

– Não é vagabunda, amor. É vagabundo.

As mãos dele sujas de sangue, parte da camisa escura, as mangas arregaçadas,  suor no colarinho.

– Oferecemos abrigo e comida pra mendigos. Alguns rejeitam, preferem mendigar. Matamos eles, um por mês.

Olhos marejados, ela mal podia esperar para que ele tomasse o banho e fosse lhe dar um beijo de boa noite.

Gustavo Burla

4 Responses

  1. Muito bom…como é lindo o amor…rsrs…
    Mas gostei mesmo foi da explicação do marido. Trecho perturbador, quase tira o foco da narrativa principal, te leva para um conto paralelo. Me lebrou um recurso do Velázquez nas pinturas dele, o quadro dentro do quadro. Não me lembro de já ter visto em literatura, pelo menos não do modo como você colocou aqui. Foi intencional? De qualquer modo ficou muito legal.
    Bração procê!