Guinada

Guinada

Três meses de longas férias renderiam um pouco mais de descanso. Pelo menos à noite, se não fosse às aulas intensas de jump. Pular era seu escape, como se os movimentos pudessem chacoalhar uma vida extremamente organizada. Mas ela não entendia disso.

Até março, acordaria todos os dias de manhã e iria para o estágio de treinamento profissional. À tarde, se trancaria na biblioteca e avançaria na quantidade de livros lidos. Na verdade, não sabia como aquelas leituras sebentas e enjoadas lhe beneficiariam algum dia. Percebeu que pesquisar como aluna era conhecer, não descobrir. A vida, por outro lado, era desvendar.

Três semanas após o início da rotina, escorregou da minicama elástica. Bateu a cabeça com força. Mas foi o pé que quebrou. Imobilizada, trancada, irritada na cama de casa, só pensava naquilo que deixava de fazer. Contorcia-se, suava, gritava. Experimentara inúmeras sensações, ora de raiva, ódio e rancor. Em outras, ria, se divertia e zoava da condição. Aquilo que é hábito dificilmente torna-se fardo.

Só saiu da cama faltando um mês para o retorno à faculdade. O pé não estava tão recuperado. Mancava e se aposentara do jump. No desespero para, pelo menos, ter lido alguns livros, percebeu que a memória tinha evoluído. Uma lida bastava e aquilo pra sempre guardado ficava.

Pensam que se transformou na melhor acadêmica, com trabalhos em pesquisa brilhantes? Não, virara atriz.

José Eduardo Brum

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