Serena

Serena

Lutei por uma gravidez durante três anos. Pensei que sentiria dor. Não, foi simples, apenas sangue.

Eu não posso mais suportar uma criança no meu apartamento de três quartos, completamente sozinha. De jeito nenhum, teria minha sogra se forçando na minha rotina, demandando formas de se criar seu neto. Também não me vejo cuidando de um bebê que chora, com fraldas e desejo por comida e atenção.

Esse bebê só me daria cabelos brancos e rugas. Tenho 34 anos, uma vida fantástica à frente. Se eu fechar meus olhos, quase posso sentir as excitantes viagens à Europa, China, África, ou os sabores exóticos de várias comidas. Vou me deparar com homens diferentes, me desejando de novo. Vou seduzi-los, ainda sei como enfeitiçar.

É tudo tão excitante e deprimente. Não pedi por isso. Não sou mercenária, sou uma dona de casa. Tinha sido uma fantástica esposa até o mês passado. Minha casa era limpa e organizada; minha comida, saudável e balanceada. Sei fazer crochê e tocar piano. Desde que ele se foi, tenho me esquecido do porquê de fazer essas obrigações.

Foi tão rápido. Todos os familiares esperando pelos meu sinais de gravidez, mas foi Jonas, meu marido, que os teve. Primeiro, ele ficava tonto diversas vezes durante o dia. Depois, começou a vomitar. Em poucas semanas, morreu de um câncer agressivo, nos meus braços, na nossa cama. Era pra eu ninar nosso filho, não meu meu marido.

No altar, ele prometeu o meu bem-estar. Eu disse que estaria com ele até o fim. Ambos mantivemos nossas promessas. Tenho dinheiro de herança, não preciso trabalhar. Porém, estou sozinha e me recuso a reagir como uma viúva. Não vou ser viúva e mãe solteira.

Uma criança não merecia nascer como um órfão. Eu fiz um favor a todos, nada de trauma para nosso não nascido filho, nenhuma ligação entre mim e a família de Jonas, nada de sofrimento durante a maternidade.

Lutei por uma gravidez por três anos. Com minha agulha de crochê, demorei vinte minutos pra colocar fim ao meu feto de dez semanas.

José Eduardo Brum

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