As cartas não mentem

As cartas não mentem

– Impressionante o medo que você tem do futuro! – vaticinou a cigana, um olho vesgo em meu rosto e o outro nas cartas. Aquilo era no mínimo estranho, já que eu estava ali em sua tenda úmida justamente para ouvi-la predizê-lo para mim, não é? Se eu tivesse medo não iria querer saber! Mas fiquei com medo dela, e de sua voz meio ausente, e do copo d’água sobre a toalha vermelha com arabescos dourados que cobria a mesa. E também tive medo das sete cartas viradas para cima que eu mesma escolhi. “Que cartas escuras, meu Deus!”, pensei num tremor, temendo que ela fosse dizer que meu futuro seria de trevas. E de fato seria se eu continuasse pagando cem contos a cada cigana que se oferecesse para me apontar caminhos. Talvez eu realmente tivesse medo de que ela dissesse que eu perderia meu emprego no dia seguinte (embora eu fosse autônoma), e que meu namorado me trocaria por duas louras peitudas com metade da minha idade (ainda que ele não gostasse de louras nem de peitudas), e que eu teria que me fantasiar de cigana e usar meus anos de teatro universitário para convencer mulheres ingênuas a ler seu futuro numa tenda suarenta na beira da estrada (a despeito de eu sempre ter sido uma péssima atriz).

Só que ela não disse nada. Nem sobre o emprego, nem sobre as louras, nem sobre minhas tendências obviamente charlatãs. Apenas olhou para mim com um olho só e profetizou: “Tanto medo que Cigana está dizendo que você só veio aqui hoje para descarregar, mas Cigana não pode ler seu futuro.” E me devolveu o dinheiro! Pensei no trabalho que ainda teria, no namorado fiel à sua garota morena, nas clientes ingênuas e imaginárias da beira da estrada que eu não precisaria de lábia para conquistar. E chorei. Eu teria lhe dado duzentos se ela pudesse garantir que alguma mudança aconteceria na minha vida.

Táscia Souza

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