Fé cega e vida amolada

Fé cega e vida amolada

“Agora não pergunto mais aonde vai a estrada…”

Eu nasci com problema, já vim com defeito de fábrica. Parece que Deus quis me desafiar. Já fui considerada o anticristo. O melhor elogio foi besta do apocalipse. É forte, não?

 

Por enquanto, vou vivendo. Não respiro direito, tenho pé torto, minha coluna também é torta, e sofro de dores no corpo inteiro. Em casa, vivo renegada, ninguém conversa comigo, sou uma exilada perante minha própria família. Não encostam em mim, porque pensam que vou contaminá-los com a minha deficiência. É nessa hora que percebo que são eles os doentes. Não estudei o quanto queria, mas já desisti dessa idéia, porque sou a aberração na sala. Chamo mais atenção do que a burrice de meus professores.

 

Fui crescendo em meu mundinho, imaginando se as coisas podem mudar. Acredito que não, mas ultimamente sonho. Acordada, na maioria das vezes, porque não tenho ocupação. Por isso, ocupo minha cabeça com histórias que começam bem, mas que depois terminam mal, pois caio na realidade. Pode parecer um sinal de loucura. No entanto, o mundo é louco, turbulento e hipócrita. Nem sei o que estou fazendo nele. Na verdade, nem sei meu nome direito, nem quando nasci. Só sei que o tempo passa, cruel e silencioso, e que hoje não preciso mais falar. As palavras perderam a força.

Peço esmola no sinal, mas nem preciso pedir, porque eles já olham e entendem. Entendem que sou desafortunada, que sou pobre, que sou uma coitada. Sentem pena. Ou viram a cara, ou me dão aquela moedinha esquecida, que acham ser tão perdida como eu. Não sou perdida. Foi obrigada a me perder. Cobrar de quem? Não tenho ânimo. Como disse, não falo, não pronuncio nada. Essas são palavras da minha mente, que só têm força na minha cabeça e que não atingem ninguém.

 

 

José Eduardo Brum

 

 

Publicado originalmente em http://hipocondria.blog.terra.com.br, 19 de maio de 2008.

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