A hipocondríaca

A hipocondríaca

 

Para tudo tinha remédio. E ela tinha tudo.

 

Morava sozinha em um apartamento até grande demais, com cozinha espaçosa e sala sem mobília porque não recebia visitas. Apartamento grande para circular o ar, cozinha espaçosa para caber um armário de remédios e sala sem mobília para definitivamente não receber gripes. Saía cedo para caminhar, trabalhava e cozinhava em casa (detestava gordura saturada de restaurante) e lia e via filmes nas noites da semana. Assim era Magali, que temperava suas atividades com pílulas e levava Neosaldina para os botequins com os amigos nos finais de semana.

 

– Você precisa casar, Magali, arrumar alguém, daqui a pouco fica encalhada.

 

– E quem vai entender minhas fraquezas?

 

– Que fraquezas!? São vícios! Essa quantidade de remédio que você toma é loucura.

 

– Já te contei que tive problemas na pleura quando era criança? E a enxaqueca que se reveza com a fungação no nariz? Minha visão há anos está turva por peixinhos e borboletinhas que ninguém mais vê. Isso tudo é sério, tenho que me cuidar.

 

– Pelo menos um cachorro, um gato, um peixe de verdade pra te fazer companhia!

 

– Contêineres de doenças.

 

Na esquina da rua em que morava, poucos andares abaixo do apartamento, jazia uma farmácia. Ou jazeria, não fosse a freqüência diária de Magali que, virgem e isolada, não tendo o que comprar certo dia pediu anticoncepcional. Os atendentes sorriram, mas nunca lhe venderiam uma chupeta.

 

Um dia, a vida de Magali mudou: duas lojas depois da farmácia foi aberta uma loja para animais domésticos. Passou coçando pela porta enquanto olhava rações, avisos de banhos e tosas, potes, brinquedos, coleiras anti-pulgas e remédios caninos. Comprou um Yorkshire.

 

 

Gustavo Burla

 

 

Publicado originalmente em http://hipocondria.blog.terra.com.br, 29 de dezembro de 2008.

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