Instante

Instante

 

Foi quando senti o Tempo pôr a mão no meu braço, suavemente. Lembro seus dedos tocando meu ombro esquerdo, como se o Tempo – ah, contrastes! – tivesse preguiça de me chamar. Olhei para trás e ele não sorriu; só fitou-me com aqueles olhos que não passavam nunca, paradoxos do próprio Tempo. Em seu encalço, insistente, o Passado arreganhou-me dentes amarelos, mostrando um sorriso escarninho. Sua pele embaciada tinha marcas deixadas pelas unhas do Tempo, mas ele parecia já não sangrar mais. A amargura palpável e nauseabunda, contudo, ainda chegava às minhas narinas, irritando-as com cheiro de velhice e mofo. Dei-lhe as costas, embora continuasse a sentir na nuca o bafo quente de seu sarcasmo. Na minha frente o Futuro espreitava, ávido por qualquer movimento meu. Pensei tê-lo visto encolher-se levemente ao se deparar com o Passado e suas cicatrizes, que se estendiam para fora do próprio corpo. Olhou-me de esguelha, o ingênuo Futuro, e em seu rosto ainda informe vislumbrei uma centelha de esperança. Ah, como os jovens são tolos! Então ele acreditava que eu podia com aquele velho tosco e zombeteiro, muito mais sábio da vida do que eu, que jamais consigo passar do instante. O fato, porém, é que, por isso mesmo, eu podia. O toque do Tempo ficou mais firme, seus dedos se fechando sobre meu ombro esquerdo como quem diz ande logo com isso. Avancei em direção ao Futuro, sem parar para pensar no Passado que ainda tentava me enrodilhar em suas velhas raízes. O jovem que me fitava com olhos ansiosos ao poucos se esvaneceu. O Tempo tinha os dedos-ponteiros no meu ombro e, naquele segundo, criança, só eu podia existir.

 

 

Táscia Souza

 

 

 

Publicado originalmente em http://hipocondria.blog.terra.com.br, 10 de novembro de 2008.

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