Machucado no joelho

Machucado no joelho

 

para Tiago Vitor

 

– Mamãe?… Como desenha saudade?

 

A mãe riu da pergunta da filha, quatro anos e já aprendendo a escrever.

 

– Como se escreve, né? S-A-U…

 

Não conseguiu completar a palavra e a menina já bufava impaciente, com ares de adulta.

 

– Não, mãe! Já sei como escreve! Quero saber como desenha…

 

A mulher olhou intrigada para o papel que roubava a atenção da filha pelo menos há duas horas. Pôde reconhecer a garotinha nos palitos que imitavam tronco, braços e pernas e também na bola posta no lugar da cabeça, da qual brotavam cachos compridos feitos com lápis de cera marrom. Lá estavam os olhos de traços verdes, mas não havia sinal do constante sorriso.

 

– Por que você quer desenhar a saudade?

 

– Outro dia o Tiago me ensinou como desenha machucado no joelho, é só fazer umas gotas vermelhas pra fingir que é o sangue. Mas saudade eu não sei.

 

A mãe ficou pensando que lógica era aquela de criança, comparar saudade a uma ferida no joelho. Encontrou os olhos da filha, que ansiavam uma resposta, mas não soube o que dizer. Limitou-se a sorrir e balançar a cabeça, deixando a menina perdida nas nuvens de seus pensamentos.

 

Mais duas horas foram gastas enquanto a criança jorrava suspiros sobre o papel, com o lápis colorido parecendo suspenso no ar. Por fim, quando a obra de arte pareceu terminada, a mãe aproximou-se para ver. As gotas vermelhas que fingiam o sangue foram colocadas perto do peito, como se saíssem do coração.

 

– É que dói do mesmo jeito – explicou a menina, com jeito de entendida. – E depois deve ficar uma marquinha, né?

 

– Vai, filha… Vai ficar uma marquinha pra sempre.

 

 

Táscia Souza

 

 

Publicado originalmente em http://hipocondria.blog.terra.com.br, 7 de julho de 2008.

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