Na van

Na van

 

Estava um calor infernal, como se houvesse um fogareiro por cima de nossas pernas e o ar, de repente, estivesse parado. Não podia colocar uma saia, pois aonde estávamos indo não era permitido pernas de fora. Colocava a calça e pensava no quanto eu não agüentava mais levá-la. Mamãe, por outro lado, estava radiante como sempre através da simplicidade. Muito bem-humorada e bem-vestida, estava serelepe com uma saia preta usada nos bailes de fim de semana (os quais não perdia por nada) e uma blusa branca impecavelmente alva. Ela sempre fora caprichosa.


Por mim, iríamos de ônibus, mas ela sempre gostara da van. Como sempre, estava lotada, assim, aceitei o desconforto e fui em pé. Enquanto eu trincava a cara por causa da raiva, mamãe era a sensação da viagem. Contava caso, ria dos vizinhos e se divertia. Todos a olhavam, seja pelas histórias inusitadas, ou pelo tom escandaloso da voz. Com o passar do tempo, eu ficava mais irritada, o calor esquentando meu sangue, e minha feição se fechava em ira. Ela não tinha motivos para ser tão alegre. Estava com uma doença incurável. Sem esperanças. Seus dias estavam nas mãos de Deus.


Por incrível que pareça, o cobrador me notou e perguntou por que eu era tão diferente de minha mãe, por que ela era tão aberta e comunicativa, e eu era o contrário. Durante alguns segundos, ela me olhou e eu entendi o sentido. Me calei, pois não podia responder. Na verdade, era eu a sincera, já que estava perdendo minha única companhia. A mulher entusiasmada e de bem com a vida estava, na verdade, escondendo a dor e a luta. Não queria pena de ninguém. Já eu, ao contrário, queria a pena, a solidariedade e as migalhas jogadas de qualquer um, porque dentro de alguns meses, a qualquer lugar que eu fosse de van, me lembraria dela e passaria a descer sozinha.

 

 

José Eduardo Brum

 

 

Publicado originalmente em http://hipocondria.blog.terra.com.br, 5 de janeiro de 2009.

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