Adequação

Adequação

Fascinante. Admirável. Poderoso. Isso vibrava dentro de si, desde que era criança, embora ainda nem soubesse os motivos que permitiam as pessoas usá-los. Chamava sua atenção os diferentes formatos, os detalhes na lateral e o traquejo peculiar de cada indivíduo. Sabia que queria ter um par de óculos. Era charmoso, imponente e misterioso.

No entanto, o único defeito de fábrica eram os dentes. Nove anos de aparelho, mas nenhum grau de miopia ou astigmatismo. Em relação à arcada dentária, não tinha problemas com a limpeza, nem com a língua ou o ronco. Por outro lado, na seara ocular, sempre coçava as vistas, lacrimejava intensamente e possuía uma vermelhidão natural. Apesar de todos estes sinais, a vista era ótima, não tinha cansaço nem desgaste.

Os anos passaram, os estudos se intensificaram, e o desgaste não aparecia. Sentia-se o todo poderoso da visão, nada danificava. Tinha uma tia, que não era de sangue e vivia lhe amedrontando, reprimindo os vícios, pois assim iria estragar a capacidade de enxergar:

– Você tem que parar com isso. Faz mal! Olha pra minha vista direita. Está careca! CARECA de tanto coçar. Acabei com os meus pelos, tenho de usar óculos pra parar de machucar meus cílios.

Ele olhou, olhou mais de perto, olhou contra luz, olhou com lupa, mas não via a falta de pelos. Se a tia podia usar óculos por vaidade, ele poderia usar óculos pra necessidade. Necessidade de auto-afirmação. E se alguém perguntasse…

– Tenho a vista embaçada, é simples.

José Eduardo Brum

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