O Sr. W.B.D.

O Sr. W.B.D.

para Virginia e Artur

Às 5h30, o despertador grita: queria morrer. Seu companheiro, num sono pesado, ainda pode dormir até às 9h30. Sortudo. Queria que ele morresse também. O chuveiro não o desperta, o café não ficou forte o suficiente, o carro não quer pegar. Hoje era um bom dia para morrer.

No trabalho, atrasa-se cinco minutos; o chefe chegou meia hora mais cedo, e desde então solicita a sua presença. Leva as tarefas na esportiva, cumprimenta e brinca com todos, mas no fundo quer paz, descanso, sossego, individualidade. Como não pensar na morte? Ela poderia visitá-lo, pensa. Não a rejeitaria, adoraria sua companhia.

À tarde, visita clientes que lhe contam mais assuntos pessoais que as questões laborais pertinentes. Que motivação ou necessidade pulsantes e intransigentes fazem os indivíduos relatarem seus segredos? Culpa a TV que não os deixa conversar.

Ao voltar para casa, está morto. De cansaço. A casa, vazia. Nenhum barulho. Um espaço só para si. O telefone vibra e desmorona a situação. Escuta a primeira parte da notícia, é suficiente. Faz “ahã” e “sim” para enganar que está ouvindo, enquanto relembra o amigo que acaba de morrer num acidente de carro.

Relembra como se conheceram, dos estudos em conjunto, das brincadeiras, do corpo bonito e rijo que ele tinha. Perderam o contato, claro. Sempre fora egocêntrico e individualista. Deixara-o passar.

Antes reduto, a casa se torna uma masmorra fria e perturbadora. Não a reconhece mais. Os objetos não são seus. Tem vontade de morrer também, mas percebe que não fez nada ainda. A porta se abre. É seu companheiro que chega alegre e disposto como sempre. Eles se olham como se fossem estranhos, mirando-se pela primeira vez. Sorri. Abraçam-se. Chora. O companheiro, com olhar, pergunta o que está acontecendo. Mente ou diz a verdade?

– Senti sua falta.

 

José Eduardo Brum

One Response

  1. Inteligente é quem diz: Cuidado com o que você deseja. Você pode conquistar.

    Texto perfeito, perturbador de certa forma. Instigante. Suas palavras doem, as vezes, mas são tão reais. Imaginei a casa, a mesa, o trabalho, até as expressões faciais. Mais ainda a cena final, a lágrima. Não quer encenar? Vc ficaria perfeito. Posso dirigir 😉

    Ah, n sei pq escreveu isso naquele contexto. Mas sei que foi inspirador. Parabéns, você é um monstro! Mto, mto sua fã!