Kelly, a elétrica

Kelly, a elétrica

Ninguém entendia ou explicava. Nenhum médico, especialista, curandeiro, rezadeira ou religioso conseguiu elucidar o surgimento daquela carga elétrica nos cachos de Kelly. Durante todo o dia, uma força intensa se formava. Descobriu-se a dar pequenos e intensos choques na mãe. Para não ‘atacar’ o outro, tinha de penteá-los 50 vezes com um pente neutralizador. A operação ocorria umas sete vezes por dia.

Com o tempo, Kelly passou a sentir quando os fios estavam elétricos. Sacava o pente da bolsa, não importava o local, e iniciava o ritual. Percebeu que se tivesse fortes emoções, eles rapidamente ficavam em ebulição. Se beijava por muito tempo, e o escolhido tocasse em seus cabelos, tomava um enorme choque.

Apesar do entrave, tinha lindos e sedosos cabelos, bem volumosos, caídos em suaves cachos de uma tonalidade loira bem escura. Isso por si só era sinal de ciúmes entre as amigas. Como adolescente é extremamente dramática, e ciumenta, e egocêntrica, as colegas traduziram o pentear constante como soberba. Assim, esquematizaram uma peça.

Numa festa, trancaram Kelly, sem sua bolsa, dentro de um quarto. Riram enquanto ela implorava pelo pente. Quando a turma se reuniu para debochar e cortar um pedacinho das madeixas, a tragédia ocorreu. O nervosismo, o medo e a raiva ampliaram a carga potencialmente. Os colegas de classe receberam uma enorme voltagem que os transformaram em cinzas. Foi tão forte que a cidade inteira ficou sem luz.

Kelly, transtornada e culpada, fugiu. Dizem que está fazendo fortuna, num país pobre de recurso hídrico, gerando energia. Também ninguém confirma isso.

José Eduardo Brum

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