Água mole em cabeça dura

Água mole em cabeça dura

A vida se divide entre sair na chuva para buscar um remédio e gripar ou ficar em casa e morrer de outra coisa. Atrás da parede opaca alguns prédios abrigam pessoas com o mesmo dilema. Pessoas mortas. Em potencial. Como eu.

Lá embaixo, guarda-chuvas e sombrinhas abrigam os sóbrios. Antes tivesse eu um guarda-chuva ou uma sombrinha. Só tenho que buscar um remédio, mais nada. Ah, claro, tenho também a doença. E a escolha.

Ainda é dia. Escuro, mas dia. De noite a escolha se esvai: posso gemer noite adentro pela falta do remédio, ou tossir noite adentro por tê-lo buscado na chuva. E na balança pende apenas o tempo: lá fora chove, aqui dentro inércia.

Na farmácia o remédio me espera, paciente, hoje e sempre. Pelo menos enquanto na validade. Um dia vai perecer. E se chover até lá? Preciso ir. Mas se eu for, quem chove sou eu. Dilema.

Enquanto o sol descansa em algum lugar oculto, eu penso. No final. Enfim, o final é sempre o mesmo.

Gustavo Burla

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