Briga(da)

Briga(da)

O brigadeiro era o objetivo; todo o resto era desculpa. Na infância era fácil, a justificativa se resumia às festas de aniversário. Primeiro a sua, depois a do irmão mais velho, em seguida a da irmã caçula, aí as dos três primos de primeiro grau, das duas primas de segundo, das vizinhas de frente e de fundos, do melhor amigo da escola e da boneca de corda (era preciso arranjar uma festinha para o décimo segundo mês do ano).

Na adolescência, ficou um pouco mais complicado. Veja bem: o irmão já era quase adulto, a irmã estava na fase pré-aborrecente do “odeio festas”, os pais brigaram com os tios, a família mudou do bairro, o amigo trocou de escola e ela já não estava mais na idade de fazer festas para as bonecas. Assim, o brigadeiro ficara restrito a uma data exclusiva ao ano, seu próprio aniversário, como ela fazia questão.

Os anos se arrastavam dia a dia nas marcas feitas nas folhinhas dos calendários: 297, 296, 295. Longos riscares de datas inúteis até que de repente vinha um “Ei, você sabe que falta apenas uma semana pro meu brigadeiro?!”. Na expectativa, sob a aba do quepe de oficial da aeronáutica (escolhera a carreira, como todos, almejando o maior posto, mas, obviamente, não pelos mesmos motivos), voltava a ter os olhos sorridentes e gulosos de menina.

Foi numa dessas que uma colega militar resolveu se intrometer:

– Credo, Jose! Você está fazendo 30 anos! Pega nem bem uma mulher da sua idade fazer festinha com docinho de criança.

– Uma mulher de 30 anos não pode comer brigadeiro?

– Comer unzinho talvez, quando for convidada pro aniversário de um sobrinho ou um afilhado, aí vá lá. Mas se entupir de doce igual você, nega, só por um motivo: fossa.

Sem pensar duas vezes, passou a mão no telefone e terminou o noivado.

Táscia Souza

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