A graça de só aos olhos de Deus

A graça de só aos olhos de Deus

– Quebrei a bacia! – trocou o grito de dor por uma contestação.

Não obteve resposta. Depois de saciados, todos se esvaiam da mesa pra não ajudarem na limpeza da cozinha. Na sexta-feira da paixão, viraram devotos fervorosos, daqueles que correm pra Igreja. De fato, não podiam perder a dramática encenação da paixão de cristo com direito a peruca de alta produção. Enquanto isso, a velha, imolada pela má sorte, jazia no chão, nervosa, sem forças pra se levantar.

Depois que o sangue esfriou (e nem vazou pra qualquer lado, constatou), mexeu um pouco os olhos, pra não movimentar a cabeça. Desse jeito, percebeu o trincado enorme na tampa do forno.

Ultrajada com o dano do fogão novinho, de uma única propulsão, ficou de joelhos a passar os dedos pela trilha de vidro rachado. Ao mesmo tempo, esfregou a cabeça onde um “galo cantava”. Então, o estalido foi da cabeçada que deu, não de osso partindo.

– Nem roxa nas pernas, fiquei. – estava boquiaberta.

Correu para o quarto, a se imaginar que havia recebido uma verdadeira dádiva de Deus. Tomou banho, se perfumou e já tinha a história na cabeça. Chegou na hora em que o povo gritava, loucamente, para crucificarem Jesus. Diante isso, a senhora achou melhor calar-se e não professar a experiência. Milagres só valiam se havia testemunhas.

José Eduardo Brum

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