Ideia torta

Ideia torta

Lá vem o Fulano com ideia torta! era o que todos — família, amigos, colegas de trabalho — diziam quando o Fulano abria a boca. E entortavam os olhos, uma forma de enfatizar o quão torta era a ideia em pauta, independente de qual fosse. Mas a verdade é que não era culpa do Fulano (o nome era esse mesmo, ideia torta da mãe; talvez o caso fosse genético). Havia uma espécie de força que o impelia ao pensamento tortuoso por natureza. E nem as inúmeras consultas médicas deram resultado. O ortopedista garantiu que o paciente não tinha uma perna mais curta que a outra, de modo que a tendência a seguir caminhos sinuosos não era uma condição congênita. O oftalmologista também não detectou estrabismo, o que provava que, se tinha um olhar enviesado sobre as coisas, a culpa não era do olho em si. O neurologista assegurou que não havia qualquer indício de distonia, síndrome neurológica que, segundo o Dr. Google, desencadeia contraturas musculares descontroladas e repetitivas, posturas anormais e, claro, torções.

O fato é que conviveu com o problema por anos, sem diagnóstico e sem perspectiva. E as ideias tortas do Fulano eram praticamente uma instituição no grupo de convívio, assunto divertido das reuniões de família, piada entre os amigos que se encontravam no bar, motivos de risadas nas confraternizações do trabalho.

Seguiu assim, aos volteios, até contratar dona Beltrana como faxineira. Ela, no esfrega daqui, tira poeira dali, esbarrou no quadro pregado em diagonal na parede da sala do apartamento, desalinhando/alinhando aquela que era a grande ideia torta do Fulano em termos de decoração (quem prega um quadro em diagonal, pelamordedeus?). O resultado: prêmio de publicitário do ano para o Fulano e muito menos diversão nas festas da firma, conversas de bar e almoços de família.

Táscia Souza

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