Engolido

Engolido

O fato de ela chorar muito — de dor, de tristeza, de raiva, de desespero, de emoção, de alegria — costumava incomodar as pessoas. Na infância, perguntavam por que estava chorando se o machucado no joelho nem doera (e ela, por sua vez, questionava-se como é que podiam supor isso se não estavam na sua pele esfolada). Na adolescência, diziam que precisava ser forte e que não podia demonstrar fraqueza (como se fosse esse, e não lágrima, o nome daquilo que escorria de seus olhos). Na juventude, debochavam dizendo que ela chorava por tudo (como se isso diminuísse, por si só, a intensidade de seus sentimentos).

Quando decidiu que ninguém mais a veria chorar, passou a esconder. Num velho armário de casa, cuja chave só ela tinha, começou a guardar os produtos daqueles prantos sofreados. Pequenos frascos foram enchendo as prateleiras, cada uma etiquetada com o estado correspondente: dor, tristeza, raiva, desespero, emoção, alegria. Vidrinhos e mais vidrinhos de lágrimas, datados e rotulados com cada instante em que, em vez de derramá-las, colhia-as com o conta-gotas e as depositava ali.

Adulta, no dia em que teve o coração partido, por um segundo pensou que não seria capaz de conter; que nenhuma garrafa, por mais litros que armazenasse, teria o tamanho suficiente para proteger da vista alheia o quanto queria chorar. Lembrou-se então dos adultos, todos na idade que ela acabara de atingir, ordenando-lhe, quando pequena, que engolisse o choro. Destrancou o armário secreto, então, e bebeu-os, um por um.

Táscia Souza

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