Cumpra-se.

Cumpra-se.

Na repartição pública, depois de cinco horas de espera, cinco funcionários públicos entregaram-lhe cinco formulários diferentes, um para cada item que ele precisava providenciar para que o dia planejado, dali a cinco dias, acontecesse:

— Este é para ser preenchido e levado até a Companhia de Polícia Militar, para que deem sua autorização e garantam o policiamento.

— Este é para ser preenchido e levado até o Batalhão do Corpo de Bombeiros, para que deem sua autorização e garantam o protocolo de risco mínimo.

— Este é para ser preenchido e levado até o Departamento Municipal de Limpeza Urbana, para que deem sua autorização e garantam o recolhimento de resíduos.

— Este é para ser preenchido e levado até a Sociedade Pró-Melhoramentos do Bairro, para que deem sua autorização e garantam o interesse da comunidade na realização do dia planejado.

— Este é para ser preenchido e levado até o Setor de Informação da Prefeitura, para que eles encaminhem às secretarias municipais responsáveis, que deverão dar sua autorização e garantir que o dia planejado possa efetivamente ser realizado.

Havia, contudo, dois outros formulários (eram mais papéis do que dias para providenciá-los), cujas letras miúdas ninguém se deu ao trabalho de lhe explicar — até porque, na repartição pública, provavelmente ninguém saberia. Um, percebeu, passando a lupa no texto quase indecifrável, deveria ser preenchido e levado até a Associação de Santos Meteorológicos, para que dessem sua autorização e cada qual garantisse aquilo que lhe competia: São Pedro que não choveria, Santa Bárbara que não interferiria e Santa Clara que, a despeito de todas as previsões das Repartições Públicas do Tempo, em algum momento, o céu se abriria em azul e raios de sol.  

O outro era um contrato, que deveria ser assinado e ter firma reconhecida no Cartório dos Momentos Certos e Oportunos, assegurando que, quando o dia planejado deixasse de ser futuro e se tornasse presente, ele de fato seria um presente para todos os que estivessem presentes ali. Era um contrato de alto risco. Era um desses contratos que, caso descumprido, incorreria em multa de milhares de frustrações acrescidas de centenas de tristezas.

Quando a fiscalização chegou, no dia planejado, os fiscais folhearam os formulários preenchidos e carimbados, verificaram a assinatura trêmula de receio ao fim do contrato, observaram os sorrisos presentes dos presentes. E foram embora satisfeitos, deixando o dia planejado seguir: sob o policiamento, sob os riscos mínimos, sob os resíduos a serem recolhidos, sob todos os interesses, sob as autorizações, sob o céu azul.

Táscia Souza

Comments are closed.