Por um fio

Por um fio

Ela nunca havia perdido um único fio de cabelo. Nunca, nenhum sequer. Por volta dos cinco ou seis meses de vida, quando o bebê que nasceu cabeludo passa, como um pequeno cão ou um gatinho, por uma espécie de muda, seus fios então fininhos, ao contrário, permaneceram intactos. Ao longo dos anos encorparam-se, é claro, mas se sabe lá de que jeito, sem que qualquer mecha se desprendesse para dar lugar a penugens arrepiadas e novas. Era como se, em vez disso, as fibras capilares, as mesmas desde o nascimento, tivessem, como o resto do corpo, ganhado massa, peso, músculos; como se, cheias de calorias de xampus e condicionadores, tivessem engordado e deduplicado não apenas de comprimento, mas de espessura.

Mas cair? Não. Nenhum fio arrancado pelo elástico retirado de qualquer jeito do rabo de cavalo. Nenhum resquício na escova que corria pelos cabelos cem vezes toda noite antes de dormir. Nenhum vestígio nos ombros de casacos e blusas. 

Mesmo o ralo do banheiro jamais entupiu. 

Achou que estivesse morrendo, portanto, quando acordou uma manhã e um único fio, longo e escuro, jazia em S sobre a fronha do travesseiro. Foi como se lhe tivessem amputado um membro enquanto dormia. Como se uma parte dolorosamente sua já não o fosse mais.

Imediatamente levou as mãos ao couro cabeludo tateando em busca do buraco deixado no lugar do bulbo capilar vazio. Bem no alto, no cocuruto, a inédita ferida latejava. Não era só um fio de cabelo; era a vida inteira que conhecia. 

Táscia Souza

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