Steak tartare

Steak tartare

— Quase uma década!

Foi assim que concluíram a rápida conversa no elevador. Na pauleira da vida, não haviam se procurado pelas redes sociais, seguiram seus rumos depois da formatura e um deles lembrou: cê ainda gosta de steak tartare? Vou fazer especialmente procê no sábado.

Colocariam a conversa em dia enquanto o cozinheiro picava a carne, de valor proibitivo, mas era um reencontro de melhores amigos de faculdade, cúmplices, chapas, camaradas, quase irmãos.

Faca afiada, tábua na bancada e o amigo chegou. Ficou feliz ao saber que saborearia um tartare feito por profissional. Depois da formatura, o mercado foi se fechando, a crise se agravando. Fez cursos no Senac pra tentar outra vida. Deu certo, era cozinheiro num restaurante no Centro. Comida a quilo, mas podia pelo menos decorar os pratos. Contou e fatiava a carne com a ponta da faca.

O outro conseguiu entrar numa empresa, foi de trainee a gerente de setor: meritocracia é isso! O vinho que levou pra acompanhar o tartare era mais proibitivo que a carne sendo picada pela ponta da faca.

Na empresa tem uns concursos internos, geralmente descubro antes quando serão. E estudo pra caramba, tiro atestado médico na semana, pra ficar mais tempo na revisão. Tô lá, no andar de baixo da chefia. Isso só é possível porque agora a empresa tem suporte direto do governo, sem licitação. Desde 2016 acabou a burocracia.

Carne picada e misturada aos outros ingredientes. Sal e pimenta na medida. Faltava o ovo. A faca, lavada, pingava no escorredor.

O Brasil virou a terra das oportunidades! bradou antes de tomar a primeira pranchetada na cara. O sangue na tábua de cortar carne foi fácil de lavar. Pela primeira vez o cozinheiro comeu tartare com dois ovos.

Gustavo Burla

Comments are closed.