Encaixotado

Encaixotado

Os amigos foram avisados: preciso de caixas para esvaziar meu apartamento. Senão não caibo mais aqui.

As caixas eram, por óbvio, para encaixotar coisas que não lhe serviam: roupas não usadas, objetos que perderam o sentido ou a serventia, livros já lidos para serem doados, discos disponíveis nas plataformas digitais e que não precisavam mais ser guardados. 

O aviso, no caso, foi um pedido prontamente atendido. Ao longo de meses. O colega que assinava o clube de vinhos, ficava com as garrafas e lhe doava a embalagem da transportadora. A namorada, que semanalmente recebia em casa legumes e verduras fresquinhos do hortifruti orgânico do bairro, separava o caixote de papelão da entrega, às vezes ainda com uma folha de alface desgarrada e esquecida. E até caixinhas de pasta de dente a mãe juntava, lembrando que o filho colecionava um tanto inútil de miudezas. 

Foram tantos os meses, porém, que caixas de papelão de todos os tamanhos possíveis, em vez de organizadoras da tralha que deveria colocar para fora, foram se somando à quinquilharia. Embaixo da mesa de jantar, ao lado da geladeira, bloqueando o guarda-roupa, atravancando o caminho para a cozinha e causando um tropeço a cada tentativa de beber água na madrugada. Não havia um espaço sequer sem um monte de caixas vazias empilhando-se desde o chão.

Quando não conseguiu entrar em casa porque a pilha colocada atrás da porta de entrada desmoronou e impediu-o de abri-la, percebeu que era ele quem não se encaixava mais.  

Táscia Souza

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