Diziam que São João era a noite mais fria do ano. Então ele fechou a casa inteira, ligou o aquecedor a gás no banheiro, separou os edredons e cobertores mais grossos e resolveu, por via das dúvidas, acender uma fogueirinha cônica ali no pé da cama mesmo.
Foi a mais quente, mas os bombeiros disseram que ele pouco sentiu.
Táscia Souza
O médico pediu que eu escrevesse umas poucas linhas para especificar meu diagnóstico e aqui estou eu, rabiscando uma folha com caligrafia terrivelmente melhor que a dele, ciente de que virá uma análise mais pautada em pseudociência do que em medicina, embora com a garantia de que vou me divertir com o que ele disser. A não ser que seja pela minha caligrafia equivocada que ele mostrará o distúrbio que o cérebro tenta notificar ao mundo por mal traçadas linhas desde nem eu sei quando e agora virá o ultimato, com direito a anos, meses ou dias de prazo. Há, por outra, a possibilidade de que meu olhar focado neste manuscrito permita ao doutor misturar conteúdos de frascos em uma seringa que em breve me espetará de surpresa e sem me permitir a dor ou o grito, mas aproveito o papel timbrado para rascunhar, tendo minha caligrafia como assinatura, um testamento deixando todos os meus bens, que são meus livros, para… quem lê?
Gustavo Burla
Maria fazia a lista de tarefas para saber quais tarefas ficaria devendo:
às vezes era lavar a louça;
às vezes era limpar o banheiro;
às vezes era pentear o cabelo;
às vezes era entregar o relatório para o chefe;
às vezes era ir à academia onde não aparecia havia um mês;
às vezes era ligar para a mãe em outra cidade para dizer que estava tudo bem, mesmo que não estivesse;
às vezes era aparecer no trabalho;
às vezes era tomar o remédio para o transtorno de ansiedade generalizada;
às vezes era dormir;
às vezes era acordar.
Táscia Souza
