Eu estava a caminho da cozinha, com o apartamento às escuras, quando ouvi seus passos. Baixinhos, como quem tenta passar despercebida, mas não consegue. Sozinha em casa — e, então, não mais, porque um invasor nitidamente respirava bem ali —, senti um arrepio. Em parte de fome; em parte de medo; em parte de raiva pela insegurança de viver em cidade grande, onde não se pode deixar as janelas abertas nem nas noites de calor.

O ruído baixo de sua presença era apavorante, mas, decidida de que não superava a fome que eu sentia, corajosamente abri a geladeira. Bem a tempo de a luz interna iluminar o momento em que ela, assustada, moveu suas patinhas depressa, despregando-as da borracha de vedação da porta em direção ao ar frio do refrigerador.

Jejuei naquela noite. E pelo resto do verão.

Táscia Souza

Na hierarquia do calendário deste ano, o dia 2 de janeiro cismou de disputar com o dia 1º o posto de primeiro dia. Pelos próprios nomes dos envolvidos, a contenda soou absurda. É que o outro já se chama 1º e não é à toa, e resolveu ser histórico e não à toa, e foi de fato o primeiro dia — do ano e de todos os anos — em que o povo subiu a rampa de todo o poder que emana dele mesmo e sempre deveria emanar. E não à toa.

O dia 2 de janeiro, no entanto, tinha seu ponto, inspirado na segunda-feira na qual caiu e que, embora tenha sido batizada com o nome do segundo numeral ordinal, é indubitavelmente o dia em que a semana se inicia, deixando o domingo com tempo mítico de um bocado de apreensão, mas também de incontáveis planos.

— Sou o primeiro 2 de janeiro de um país que se fará (de) novo — argumentou. — E é hoje que o trabalho começa.

Táscia Souza

e a pobre mãe de três filhos exausta das gestações dos partos da amamentação dos terribles twos multiplicados por three — por trees! — das escolites da escola semana sim semana não por causa das escolites dos outros ites sobretudo palpites da falta de vírgulas e de respiros não lembra nem o que fez no almoço quanto mais num ano inteiro que agora termina e

quando é que ela nasce outra vez?

Táscia Souza