Category Archives: Gilze Bara

Modo avião ilusório

Modo avião ilusório

Tudo o que ela queria era ficar quieta.
Ignorar o despertador.
Não levantar da cama.
Não trocar de roupa e nem se arrumar.
Não sair de casa.
Não cumprimentar ninguém — sequer desejar bom dia.
Não olhar ninguém.
Não sorrir pra ninguém, nem tentar ser simpática — apesar de ninguém ter nada com isso, nem com seu modo intimista, nem com seu desânimo com o mundo.
Tudo o que ela queria era ser invisível e inaudível por 24 horas. Era não ser.
Não conversar com ninguém no trabalho.
Não atender aos telefonemas, por mais raros que fossem hoje em dia.
Não responder mensagem nenhuma — nem mesmo olhar as mensagens que chegariam e que seriam acusadas pela vibração do smartphone.
Mas foi mais um dia como os outros. Fazendo tudo da lista acima.
O modo avião só durou o tempo de escrita deste texto.

Gilze Bara

Coleção coercitiva

Coleção coercitiva

Nunca colecionei nada. Quando criança/adolescente, alguns familiares tentaram plantar em mim esse “hábito”, me dando mini garrafinhas de Coca-Cola em mini engradados, Fofoletes das mais variadas cores, revistas de vôlei. Curtia tudo, mas não era tomada pelo desejo de colecionar. Chegou a pandemia e mudou a vida da gente — a vida da gente que ainda tem vida. Todas as vezes que faço compra, peço logo umas seis, por medo de faltar, já que sou daquelas piradas em evitar o coronavírus de todas as formas. E elas acabaram se acumulando no armário da dispensa. Treze garrafas de álcool 70%. De quatro marcas diferentes. É… virei colecionadora.

Gilze Bara

Olimpo em mim

Olimpo em mim

De repente, as lágrimas surgem. Brotam no coração, que bombeia mais forte e descompassado, e, no instante seguinte, já marejam os olhos. A pele, respondendo aos impulsos, se eriça, enquanto um nó toma conta da garganta. Dias e dias em que esse processo acontece sem aviso prévio. E os culpados são aqueles seres que querem morada no Olimpo. Seres que se expõem, que se superam, que testam os próprios limites, que vivem intensamente a dor e a glória. Seres que não conheço pessoalmente. Alguns poucos, de nome e de vista. A maioria, nem isso. Mas todos me emocionam. Por quê? Porque estão em busca de algo. Porque fracassam, mas lutam. Lutam, sobretudo, contra os próprios limites. Porque se superam. Porque sentem. Porque são outros – e os outros nos plasmam. Ou, pelo menos, me plasmam.

Gilze Bara