Obsessão cega

Obsessão cega

 

Na cômoda, uma escova, um pente e um espelho, mais nada. Acordava e se virava direto para estes pertences. Seu primeiro pensamento matinal era se os cabelos tinham ficado embaraçados por causa da noite de sono. Assim como na noite anterior, penteava as madeixas loiras e conferia se tinha perdido algumas.


Às vezes, não tomava banho, para evitar que a umidade afetasse o liso dos fios. No caminho do trabalho, só pensava em como economizar o salário escasso para fazer três escovas semanais, ao invés de duas.


Das oito horas no escritório, sete e meia eram gastas olhando sites de cabelo, para descobrir novos produtos e outros tratamentos. A sua sorte era ter um burro de carga, digo, um estagiário, para fazer tudo por ela.


Não tinha amigos no trabalho, muito menos, na vida particular. Para ela, eram ciúmes por ter um cabelo perfeito. O relacionamento com o patrão casado de 64 anos nem passava pela sua mente como o motivo pelo isolamento, muito menos a futilidade demonstrada com roupas apertadas e coloridas.


Nas folgas, gastava o tempo olhando roupas na vitrine, mas, na verdade, ela estava vendo sempre o reflexo dos cabelos sedosos nos vidros. Quando fazia amor com o chefe, só pensava em não amassar o penteado, pois como iria voltar para a casa toda feia e horrorosa?


Nunca foi a mais inteligente, ou a mais bonita, mas tinha certeza de que possuía os cabelos mais belos do mundo. Só não sabia que dentro de dois meses, ela os perderia por causa de um câncer de mama.

 

 

José Eduardo Brum

 

 

Publicado originalmente em http://hipocondria.blog.terra.com.br, 14 de outubro de 2008.

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