Sete passos

Sete passos

 

No princípio era a lágrima. Ela chorou por dias, mundos inteiros. A solidão agigantava-se sólida, cada vez mais solidão. Pelo menos coloco pra fora, dizia, e a gente concordava em fingir.

 

Depois veio o comprimido. Tinha receita azul, aval do psiquiatra. Ela engoliu-os por meses, com olhos secos e parados. Pelo menos fico mais tranqüila, dizia, e a gente fingia acreditar.

 

Foi então que surgiu o copo. Sempre meio vazio. Ela perambulou por noites, bares assombrados por mortos-vivos. Pelo menos fico mais alegre, dizia, e a gente acreditava entender.

 

Em seguida aspirou a fumaça. Cinco cigarros na boca, o maço inteiro de uma só vez, se coubesse. Ela fumou-os por horas, ares sufocantemente pesados. Pelo menos fico mais centrada, dizia, e a gente entendia se calar.

 

Só aí é que sentiu a saliva. Língua passeando por beijos desconhecidos. Ela provou-os por acasos, sem precisar reencontrá-los na sorte. Pelo menos fico mais viva, dizia, e a gente calava a consentir.

 

O próximo lapso foi a cama. Braços, mãos, pernas, barriga, menos o peito. Ela deitou-se por madrugadas, incontáveis carências e sonos. Pelo menos fico mais satisfeita, dizia, e a gente consentia em concordar.

 

Quando o espelho refletiu, já era tarde. Um corpo estranho nos lençóis no qual antes tinha se enrolado e a solidão mais sólida do que nunca. Ela enojou-se por eternidades, vidas completas. Pelo menos fico mais…, tentou dizer e soluçou. A lágrima escorreu lenta e o espírito do vazio voltou a se mover sobre a face da alma.

 

 

Táscia Souza

 

 

Publicado originalmente em http://hipocondria.blog.terra.com.br, 28 de julho de 2008.

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