Só vemos o que queremos

Só vemos o que queremos

 

Estava em pé há dezoito minutos e cinco segundos. Já tinha contado quantos passos dava o comprimento e a largura da sala e achado a área do retângulo. Com uma estimativa da altura, calculara o volume. Sabia de cor todos os livros da estante e anotou o nome de um para que pudesse comprar depois. As revistas espalhadas numa mesinha foram conferidas nos primeiros momentos em que pisara ali, assim como foram definidos o grupo, a família e a espécie da simples flor que estava junto deles. Na sua cabeça, perduravam duas listas que acabara de fazer: o que deveria comprar no mercado, e o que tinha ficado pendente no trabalho. Estava de costas para a porta, pensando nos outros quadros do artista que tinha pintado aquela singela paisagem, quando a porta se abriu:- Descobriu o que tenho? – perguntou – Continuo com a dor nas pernas, na barriga e na cabeça. Os exames deram algo?

– Já descobri, mas não foi necessário nenhum exame. Conversei com a sua esposa, que chegou há poucos minutos. Ela me explicou que você não dorme, pois estuda de madrugada, por isso sua cabeça dói. Suas pernas estão doloridas, porque você economiza no vale-transporte e faz tudo a pé. Como você é aficionado pelo seu trabalho, se esquece de comer e de beber água. As dores abdominais, com quase 100% de certeza, indicam infecção urinária e úlcera. Mas não vou te indicar nenhum remédio, porque, para o seu excesso de problemas, há apenas uma doença: excesso de motivação.

Pela primeira vez no dia, sentou-se:

– É… Pode ser.

 

José Eduardo Brum

 

Publicado originalmente em http://hipocondria.blog.terra.com.br, 10 de março de 2009.

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