Nosso pacto de cada dia

Nosso pacto de cada dia

 

A tradição havia começado quando se formaram. Foram bons amigos a faculdade inteira, fizeram os trabalhos juntos e se conheciam mais do que gostariam, às vezes. Não queriam deixar de se ver, mas sabiam que os empregos impossibilitariam os contatos. Foi firmado que ela ligaria todo dia 07; ele ficava com o dia 23.

Sempre começavam o papo de maneira estranha, travada. Por mais que pensassem um no outro, todos os dias, a distância e a falta do olhar, sim, modificavam aos poucos a relação. No entanto, bastavam cinco minutos para se reconhecerem e já estavam rindo, zoando um ao outro, percebendo as reais nuances de histórias pelo timbre.

É claro que a tradição não era sólida. Quando ela contara que estava noiva, ele ficou mudo e desligou. Ficaram quase cinco meses sem se falar. Ela achava que era ciúme; ele, na verdade, sentia-se traído por ela não ter contado que o caso amoroso era sério. Uma vez, ele viajou a trabalho. Ficou fora por quase um ano. Não se falaram também.

Os anos passavam, eles se viam uma vez por ano, se desse. Aos poucos aceitaram que era suficiente. Ela largou o emprego para cuidar dos filhos gêmeos a protestos dele de que se tornara uma mulher-reprodutora (quatro rebentos). Ela, por sua vez, brigava que ele só se dedicava ao trabalho, deixando o lado amoroso de lado.

Prestes a completarem bodas de prata de amizade, ela não ligou no dia 07. Houve um estranhamento, mas ele estava atarefado. Oito dias depois, ela apareceu na porta de sua casa, com uma cara de espanto, como se estivesse alucinada. Ele esperava. Ela muda:

– Meu marido morreu.

E o beijou. E ele retribuiu. E eles se amaram. E conheciam ambos os corpos. E se satisfizeram em prazer. Depois daquele dia, o pacto recebera um apêndice: todo dia 01 se encontravam para que trocassem fluidos corporais.

 

José Eduardo Brum

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