Sobre natais e (des)esperanças

Sobre natais e (des)esperanças

No fim da Vila Esperança, numa invasão margeada pela linha férrea de um lado e pela rodovia federal de outro, Papai Noel não consegue chegar. As cartinhas das crianças, centenas delas, seguem seu destino como milhares de outras, de todas as partes do mundo, mas nenhuma das duas estradas – nem a de ferro, nem a de asfalto – costuma trazer seus presentes, seja a boneca de pano pedida pela garotinha de tranças, a bola desejada pelo menino magricela, a caixa de lápis de cor verde para dar sentido ao nome da vila. As renas temem queimar suas patinhas frágeis no asfalto quente; os duendes receiam estragar o trenó no atrito com os trilhos do trem; o bom velhinho evita o voo pelos ares por restrições médicas, devido a uma alergia àquela poeira alaranjada e terrosa que encobre a paisagem remota. E, assim, nada de natal.

Há que se fazer justiça: um dia São Nicolau até que tentou. À distância, lá do Polo Norte mesmo, nomeou dois humildes representantes para fazer o trabalho em seu lugar. O homem e a mulher, cidadãos comuns como eu ou você, compraram alguns brinquedos, embrulharam com papel colorido, encheram o porta-malas do carro e partiram na tentativa de levar esperança à Vila Esperança. O ronco do motor na rodovia, sempre e estranhamente tão silenciosa, atraiu a atenção e logo uma enxurrada de crianças descalças corria atrás do veículo, em busca de algo a que se agarrar à infância. Papai Noel, contudo, esquecera-se de avisar quantos meninos e meninas havia ali, um número muito maior do que os pacotes no porta-malas do carro.

– Não falei? – indignou-se um garotinho atrasado e de mãos vazias, sem nem saber que o nome daquele bolo em sua garganta chamava-se também indignação. – Não falei que esse Papai Noel é um filho-da-puta?

Táscia Souza

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