Pinta preta

Pinta preta

Na primeira vez em que se deu conta, era uma simples mancha preta na unha, bem no meio, como uma simpática pinta. Por ter um corpo recheado de pontos escuros que, dependendo dos olhos dos admirados, ganhavam diversas formas, sentiu-se abençoado com o aparecimento de uma marca na unha do pé.

Algum tempo depois, percebeu que a manchinha não saiu do lugar, continuou no meio, não caminhou com o crescimento da unha. Ao passar a mão, sentiu que ela havia crescido um pouco. Estaria virando uma verruga? No pé? Na unha do pé?

Dias mais tarde, deu uma topada no trabalho e sentiu uma dor insuportável. Em casa, percebeu que a pinta estava mais preta e mais crescida. Naquela noite, não dormiu. Era um tumor? Era câncer. Na unha! E por ter demorado a tratar, já deveria ter chegado a algum ponto do corpo. Tossiu, sentiu dor no púbis, teve dificuldade em urinar, sentiu pressão na cabeça.

Só conseguiu dispensa pra procurar um médico no dia seguinte. No entanto, já tinha pesquisado tudo sobre câncer, os estágios, o tratamento. Imaginava-se angustiado na biópsia, sofrendo com queda de cabelo na quimioterapia.

Na hora da consulta, esperou pelo inevitável, já que o doutor tinha feito uma cara de espanto ao escutar o que ele tinha contado. Com medo de examinar ou surpreso com a novidade (pensando que seria o primeiro a tratar um câncer na unha), o médico demorou a tocar. Observou, chegava perto e afastava-se, até que tirou uma lâmina. Com um simples gesto, varejou a bolota escura na parede mais próxima. Desapontado, disse:

– Era sujeira acumulada.

José Eduardo Brum

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