Sibéria

Sibéria

Compraram juntos uma garrafa de vodka, assim, de meia. A parceria era justificada pelo preço: era vodka fina, importada, com palavras ininteligíveis e cheias de consoante no rótulo, mas que provavelmente, em bom português, traziam a promessa de uma manhã ensolarada e sem dores de cabeça. Como era uma sociedade, combinaram que iriam bebê-la juntos, nalguma ocasião especial. Era janeiro, auge do verão, e por isso mesmo a primeira proposta foi transformar o líquido que se tornava cada vez mais viscoso no freezer da casa de um deles numa refrescante caipiríssima. A ideia, porém, esbarrou em dois obstáculos. Em primeiro lugar, a bebida brasileira que se preze é feita com cachaça, e não com destilado de gringo. Em segundo e mais importante, aquela garrafinha tinha sido cara demais da conta para que seu líquido transparente, inodoro e cremoso tivesse o sabor reduzido ao patamar de uma misturinha com açúcar e limão.

Veio fevereiro, mas o carnaval tinha gosto de cerveja gelada, de modo que deixaram para lá. De março a abril, o tempo era de quaresma e abstemia; então também não rolava. Em maio um saiu de férias e, em junho, o outro caiu de cama, num desencontro só. Chegou julho, com seu festival de cerrações baixas e temperaturas mais baixas ainda. Retirar a vodka do congelador foi quase um rito naquele momento, mas acredita em mito quem pensa que conseguiram esperá-la esquentar. A ansiedade e a expectativa eram tantas que beberam gelada mesmo, no frio cortante do inverno, como se quisessem igualar num só gole a temperatura quente do corpo com a do ar enregelante de fora.

Foi a mais rápida viagem à Rússia que já existiu.

Táscia Souza

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