Para Moninha

Ninguém dava tanto crédito ou era crédulo a respeito de sua prosperidade, afinal as evidências eram inúmeras, desde a infância. Esquecia brinquedos na geladeira, sem conseguir explicar um motivo para isso. Sentava em colos de estranhos, pensando ser o pai ou os tios. Marcou aniversário com os coleguinhas numa pizzaria e se esqueceu de comparecer.

Especialistas foram consultados para averiguar sua memória. Outros médicos socorreram-na. O momento mais cruel foi quando viu um buraquinho embaixo do padrão de energia e o achou convidativo a enfiar uma faca. Na cabeça, não se lembrou da explosão, embora a faca derretida tenha virado um ícone.

No profissional, não dava uma dentro. Colocou um toque de celular com palavrão (‘Xi, lá vem m…), na vez em que alguém do trabalho ligasse e estivesse em casa. Nunca poderia imaginar que o chefe ligaria da sala ao lado e escutaria o tal toque. Era mestre em atender os amigos durante a jornada e, ao se despedir, soltar ‘Deixe-me ir, porque alguém nesse lugar tem de trabalhar’, sem se tocar que seu gestor estava atrás, acompanhando todo o deslize.

De maneira geral, consideravam-na ou avoada, ou cínica, ou perturbada, ou descompassada. Não percebiam o óbvio: era simples, sem malícia, pura. Só uma pessoa foi capaz de perceber isso, o seu médico-urologista-gato. Num dos retornos, ela estava bem arrumada por causa de uma festinha obrigatória com os ex-colegas.

Ao entrar e se encontrar com aquele deus grego de sorriso maravilhoso, ele perguntou se as pedras tinham saído. Ela, maravilhada, achando que o doutor se lembrara, pois o tinha impressionado, comentou abobada e feliz que gostaria de ter a memória dele. O médico, que mais tarde se mostraria possuidor de uma conjuntura mental como a dela, respondeu que tinha lido a ficha antes.

Sem graça foi pouco para os dois naquele momento. No entanto, muita graça acompanhou o casamento dos dois. Contra todas as expectativas, ela teve um final feliz.

José Eduardo Brum