Fetiche

Fetiche
– Eu me apaixono por coisas.
– Por coisas.
– É, por coisas. Não por pessoas. Nunca por pessoas. Com minha primeira namorada foi o cabelo. Ela tinha o cabelo comprido, castanho bem escuro, com cachos largos. Terminei no dia em que ela cortou.
– Terminou porque não gostava dela com o cabelo curto.
– Não, porque ela vendeu o cabelo sem nem perguntar se eu queria. Porra! Quantas vezes eu tinha dito que era apaixonado pelo cabelo dela?
– Provavelmente ela achava que era uma figura de linguagem. Metonímia, não é isso? A parte pelo todo? Que seja! Achava que você estava dizendo na verdade que era apaixonado por ela.
– …
– Não era mesmo?
– Não! Já disse, me apaixono por coisas.
– É normal às vezes a gente se apaixonar por coisas… quer dizer, pequenos detalhes, situações, quem sabe um olhar…
– Não, porra! Quando digo coisas quero dizer coisas mesmo. Sem esse troço de olhar! Uma vez até me apaixonei pelos olhos de uma garota, da minha turma de faculdade. Eram tão azuis. O que matou foi justamente o olhar. Não combinava, sabe? O olhar era vivo demais, brilhava demais, tirava o foco do olho em si. Não há paixão que resista.
– Bom, mas é comum mesmo a gente gostar dessas pequenas “coisas”, como você diz, que se destacam em alguém…
– Minha última paixão foi por uma unha.
– …
– Era comprida, quadrada, branca.
– … Então, é isso que eu disse, pequenas coisas que nos despertam o olhar para alguém…
– Que alguém?
– A dona da unha.
– Ah, não! Mas eu nem olhei pra ela direito. Comprei e fui embora.
– Comprou…?
– A unha, porra! A unha postiça pela qual me apaixonei. Não acabei de falar? Tive que pagar os R$ 17,90 para levar o pacotinho inteiro com as outras nove, mas a paixão vale a pena!

Táscia Souza

Comments are closed.