Vácuo cíclico

Vácuo cíclico

O recostar abraçado de dois conhecidos, o andar de mãos dadas de uma mãe e um filho, o beijar intenso de um casal rendido. Singelos sinais de carinho e afeto. Para ele, no entanto, eram momentos de ódio e repúdio.

Órfão e sozinho, só nos fins da infância a recomendação taxativa ganhou vida: mais de três segundos de contato com alguém e o afortunado era nocauteado. Simples assim, irremediável assim. Foi obrigado então a fazer natação, a apenas sambar, a nunca namorar.

Rodeado de diversidade e de possibilidade, só podia lamentar e se isolar. Tinha raiva, assim como tinha carência. Adquiriu um olhar frio e sombrio, embora ansiasse por um único roçar descomprometido.

Viveu longamente, sem feitos, rodeios ou floreios. Foi enterrado com o mesmo pijama que foi encontrado. E mesmo no árido chão do cemitério de muro alto e caiado, um pé de hibisco de tom fúcsia intenso nasceu sobre o corpo imaculado de toque. Não tinha um que não se deslumbrasse com o balançar lindo daqueles ramos.

Abraçados e se consolando, conhecidos carregavam nas mãos a vibrante flor após um enterro. Entre os dedos enlaçados de mãe e filho enlutados, o hibisco se pendurava e se exibia. Até os namorados, escondidos entre as lápides, beijavam-se no emaranhado do cheiro daquelas finas pétalas.

José Eduardo Brum

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