Mugida repercutida

Mugida repercutida

“Já tenho o título: vaca causa assassinato no ônibus 134,” sugere o repórter assim que retorna à redação. Até aumento de salário ele ganhou com tamanha repercussão (e exemplares vendidos) pela genialidade apelativa.

“Queria poder batizar nossa investigação de caso da vaca na varanda, porque tudo começou assim,” sugere inocentemente o policial que viria a ser apelidado de ‘bezerrinho’. Pelo bullying, pediu exoneração e passou a trabalhar num açougue.

Dotô, ou nossa excelência, eu não tive culpa, ó! Eu tava curioso com a história, como a dona tinha quebrado o braço e tava cheia de pinos. Todo mundo riu quando ela revelou que foi por causa da vaca que tinha entrado na varanda dela e tava comendo as plantas. Achei engraçado e continuei perguntando, uai. Ela revelou que caiu tentando tocar a vaca que sapateava na varanda recém encerada,” explicou o motorista do ônibus antes de cair na gargalhada de novo, junto do juiz, do escrivão e da plateia.

“Vamos protestar, galera, porque foi uma crueldade com a vaca. O acusado e dono do bicho teve de sacrificá-la quando ela reapareceu com três patas quebradas. O filho do réu, que trabalha em matadouro desde criancinha, contou que as feridas não foram acidentes, foi intencional,” alardeou, nas redes sociais, o ativista de uma ONG de proteção aos animais. Devido a popularidade e notoriedade, foi eleito vereador nas eleições seguintes.

“É impossível produzir essa perícia. Eles comeram a vaca, jogaram os ossos fora, nem foto tiraram,” fundamentou, contra o pedido desarrazoado, o magistrado. Após a conclusão de um processo tão nerval, tornou-se vegetariano.

“Não concordo com a sentença. Foi muito branda. Nós vamos recorrer, pois não dosaram de acordo com a crueldade. Houve uma retaliação, dentro de um coletivo, após um rompante. A senhora foi assassinada com golpes de berrante,” bradou o promotor na porta do Fórum, sem imaginar que viraria hit de escárnio na internet e largaria a carreira pública para abrir o próprio escritório, chamado ‘Berros da Justiça’.

“Matei mesmo e faria de novo. Você sabe quanto tempo demora pra um bezerro virar vaca? E tem uma coisa que ninguém sabia: ela estava prenha,” rememora, com naturalidade, o culpado para o responsável pela concessão de condicional. Com a libertação, os dois se tornaram sócios numa fazenda de criação de gado, cuja marca se tornou famosa após um comercial com artista global.

José Eduardo Brum

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