O melhor de viajar de trem era o abandono. Se entregava à paisagem, era seu momento de estar sozinho. Era seu momento. Só seu. Mas naquela viagem sentiu algo diferente. Pensou na vida e não encontrou nada. Olhou pelo vidro da janela e não percebeu incômodo. Numa poltrona do outro lado do corredor havia um olhar.
Quando os olhos se cruzaram, sentiu nos dela o sorriso. Desviaram para as paisagens, mas sentiu quando ela voltou a perscrutá-lo. Olhou de volta e ele ficou. Bastava ele olhar para o lado ou para dentro de si e ela estava lá. Manteve o olhar firme.
Ela piscou, desviou, voltou e piscou de novo. Ele nem piscava. Ela corou e ele percebeu que ela pensara coisas olhando para ele. Viagem longa, banheiro na ponta do vagão, ela olhou para ele de forma diferente.
Ela foi para a ponta do vagão. Ele foi para a ponta do vagão. Voltou sozinho, sentou na poltrona e voltou a sentir seu momento. Só seu.
Gustavo Burla