O conto que deu errado

O conto que deu errado

O escritor pensava ter tudo estruturado, como numa casa. Substantivos como tijolos, verbos como argamassa. Móveis de pronomes, telhado de conjunções, pintura de preposições. E adjetivos e advérbios pesando na decoração. As vírgulas eram as janelas que permitiam a entrada de um ar e os pontos as portas que levavam a outras frases, outras orações, outros cômodos de sentenças, a depender do que se queria dizer.

Percebeu, invejando os espanhóis, que seu conto não tinha um ponto de entrada. ? Tacou lá então de qualquer jeito uma interrogação, mas isso só fez o leitor ficar em dúvida se entrava ou não. ! devia ter tentado exclamações, convidativas, ou quem sabe letras minúsculas, menos imperativas, ou eliminar as portas, substituí-las todas por janelas, mas o ar, começou, a, entrar, demais, vendaval, de ,,,,,,, dividindo, sujeitos, predicados, desarrumando pens,amentos, e, pal,avr,as

fico sem letras maiúsculas sem pontos sem vírgulas então pensou sem aspas mesmo deixando expostos os eus tu eles sem rosto os quês e os ondes sem lugar a decoração um tanto kitsch ridiculamente afetada cheia de nãos sins talvezes metáforas ruins de meninas que são rosas e muitas um bom tanto de palavras terminadas em mente mente mente

não era o que tinha em mente

era uma mentira

Táscia Souza

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