A doença

A doença

A moça sentia uma angústia, uma compressão no peito que começava de manhã, quando lia as notícias, e aumentava ao longo do dia, a cada vez que um comentário assustador furava a bolha algorítmica da rede social e a atingia como uma fisgada.

“Reformas geram incompreensões que são típicas da democracia plena”, leu num lugar.

“É manifestação de quem apoia bandidos”, pipocou noutro.

“Você está trabalhando? Então tire uma selfie e poste com a hashtag #deusajudaquemtrabalha”, incentivava outro post.

Mas percebeu que a doença era mesmo perigosa quando uma conhecida — professora aposentada! — disse que “tomara que a reforma passe mesmo, porque os empresários pagam muito imposto e são muito explorados, coitadinhos”. Naquele momento vieram a falta de ar, as palpitações e um formigamento nos lábios embranquecidos de tanto se apertarem para não soltar um palavrão.

A conhecida, vendo-a quase roxa, preocupou-se:

— Você está sentindo mal? É grave?

— É greve.

Táscia Souza

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