Cena

Cena

O barulho de pensamentos alheios se mesclava com a voz do homem imponente que pediu olhos fechados para o brinde. Ela mantinha os olhos fechados à força, mas não conseguiria por muito tempo. Abriu. Olhos arregalados, de criança que espera presente, mas, por dentro, adulto que acorda no meio da noite, pesadelo.

Era curiosidade em ver os olhos fechados dos outros, de ver se havia, como os dela, olhos também abertos. Era profundo, desespero. Sentimento de vulnerabilidade, exposição, perigo.

Olhos abertos, eram só os seus. O homem imponente parecia muito imponente, mesmo com os olhos fechados. Os outros demais rostos, vestidos serenos, cada um deles começou um círculo vicioso que rodava dentro da cabeça dela, que, de tanto questionar “o que eles estão pensando?”, começou a ouvir murmúrios de dor, em um lamúrio barulhento e desorganizado.

Seus dedos magros suavam os dedos gordos que entrelaçavam os seus e ela ficou com medo de que eles percebessem seus olhos abertos, suas mãos suadas, seus pensamentos negros. Fechou os olhos querendo fazer-se parte, fazer-se presente, fazer-se demais. Fazia tanta força para manter seus olhos fechados que não percebeu que o discurso havia acabado, que os muitos olhos estavam abertos agora e só os seus permaneciam fechados.

Os semblantes antes serenos estavam agora assustados. Preocupação era a nova máscara dos rostos. “O que será que ela está pensando?”, eles se perguntavam. E os dedos gordos soltaram seus dedos magros, suados. E tocando o vazio, ela abriu seus olhos, despreparada. Era o começo do jantar.

Tassiana Frank

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