De papel passado

De papel passado

Tudo escrito como manda a jurisdição: nome, endereço, CPF, RG, data e local de nascimento e até cor da pele, que era indispensável, mas ele fazia questão. Grafia inconfundível, documento de próprio punho com firma reconhecida anos antes. Mesmo assim, o juiz não queria aceitar.

– Isso não tem precedentes!

– Abra um!

– É inaceitável! Mais que isso: é insano!

– Está documentado e registrado, é o desejo do morto, escrito em momento de consagrada sanidade!

– Minha senhora, consegue entender o teor do que está me pedindo?

– Perfeitamente. E que seja rápido, antes que comece a se decompor.

– A senhora quer que eu tire a orelha o morto e entregue pra senhora!

– É o que consta neste testamento, não é?

– Ele está morto, não fazer diferença agora, deixe a orelha onde está.

– É o pedido dele, registrado, que precisa ser cumprido.

– E onde a senhora vai guardar a orelha?

– Deixar em cima do travesseiro, pra fazer carinho no lóbulo toda noite, até dormir, como combinei com ele.

Gustavo Burla

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