Depois que conheci Marina Colasanti

Depois que conheci Marina Colasanti

Habituamo-nos ao não, à cara fechada dos colegas de trabalho, às humilhações e aos sapos que nos fazem regurgitar de tanto engoli-los. Assim, aumenta nosso medo da exposição e deixamos morrer o que há de criativo em nós.

Habituamo-nos aos sonhos não realizados, substituídos, esquecidos, e somos obrigados a lidar no dia a dia com as nossas frustrações e as dos outros.

Habituamo-nos à  infelicidade, sim, porque ser feliz, às vezes, é mais difícil. Habituamo-nos a nos propor uma meta. Esforçamo-nos para cumpri-la e, quando chega a hora de gozar da satisfação de tê-la cumprido, já não serve mais, porque existe outra a alcançar imposta pela fabricação de desejos da sociedade capitalista.

Habituamo-nos à fila quilométrica das agências bancárias e à  superlotação do transporte público. Dessa maneira, habituamo-nos à falta de gentileza, à  delicadeza perdida e à humanidade que, cada vez mais, nos escapa.

Habituamo-nos ao trânsito engarrafado, à  buzina indesejada e à fumaça dos carburadores. Assim, deixamos de sentir a poluição, esquecendo-nos de que o monóxido de carbono prejudica nosso sistema respiratório e cardiovascular.

Habituamo-nos ao garoto vendendo bala no semáforo, a fechar o vidro quando ele se aproxima e, assim, fazemos de conta que nossa infância não vem sendo roubada.

Habituamo-nos ao mendigo pedindo comida na rua e a ignorar sua presença, porque assim fica mais fácil suportar nossa falta de solidariedade.

Habituamo-nos à ostentação e à superficialidade das amizades nas redes sociais, que crescem, proporcionalmente, a cada oferta de like sem perceber que, ao mesmo tempo, recrudesce nossa sensação de solidão.

Habituamo-nos, nós sabemos, mas não devíamos. Habituamo-nos para doer menos nossas feridas, mas não devíamos. Habituamo-nos a baixar a cabeça, mas não devíamos. A comer depressa sem saborear o alimento, mas não devíamos. A enxergar a vida passar tão rápido, mas não devíamos. A não dar um beijo ou um abraço, mas não devíamos. A não dizer eu te amo, mas não devíamos. A não resistir, mesmo que fosse preciso. Habituamo-nos, mas não devíamos.

Marcos Araújo

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