Sem tempo, irmão

Sem tempo, irmão

O decreto publicado no diário oficial do município estabelecia que, a partir daquela data — embora, por coerência, não houvesse dia, mês ou ano na publicação —, a noção de tempo estaria abolida dos limites da cidade, restando apenas o espaço como conceito físico-geográfico a determinar as relações. Distâncias como uma meia horinha de caminhada e fica a cinco minutinhos daqui foram proibidas e, em vez do brado de hora do almoço ao meio-dia para chamar a meninada que se afobava atrás do pique, as mães passaram a ter que gritar das janelas que a refeição teria lugar no sol de meio do céu. Das crianças passou-se a comemorar não o primeiro aniversário, mas o primeiro passo de metro que conseguissem dar. E nos velórios o desejo de paz eterna teve de ser substituído pelo de um descanso pacífico na imensidão. Até na igreja o sacristão calou o sino e, igualmente sem referência ou propósito, os galos de todos os quintais e sítios desaprenderam a cantar. Sempre virou por toda parte e São Nunca, o padroeiro, tornou-se o Santo de Lugar Algum. 

Táscia Souza

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