O outro lado da moeda

O outro lado da moeda

Era inusitado e benéfico. Demoraram a perceber, mas depois tudo se encaixava: Cláudia não pegava nada. Desde que nascera, nunca deu problema, ou contraiu alguma doença. Absolutamente nada, nem gripe, resfriado, catapora, alergia… Simplesmente nada. Também comia pouco. Se abusasse um pouquinho, já colocava pra fora. Parecia que tinha um escudo, protegendo-a. Aquilo que viesse de fora não se instalava.

Durante a infância, Cláudia não se importava; seu pai achava sorte; sua mãe desconfiava. Ao atingir a maioridade, a progenitora percebia mais e mais sinais: se pintava o cabelo, na primeira lavada, a tinta escorria como se fosse simples guache. O esmalte poderia ficar secando por sete horas, mas era só lavar as mãos que eles saíam facilmente. Os brincos não voltavam com a menina pra casa. Inusitado.

Quando atingiu a maioridade, apenas míseras gotas sinalizavam que ela não havia concebido. Como era filha única, começaram a ficar intrigados, querendo entender. E se fosse uma doença genética, uma mutação? Vários médicos, especialistas, macumbeiros, rezadeiros foram consultados. Não havia mudança: Cláudia era indiferente a tudo; o pai a achava mais especial; e a mãe sentia que aquilo não ia terminar bem.

E não terminou, transformou-se em praga. Ela casou cedo, mas não conseguia engravidar. Não segurava filho. Ele descia. Tentou várias simpatias, posições, técnicas, chás, remédios… Não funcionava. O pai, que tanto ansiava por herdeiros como Cláudia, pensando em disseminar uma raça forte e preparada com seus genes, morreu de desgosto. A mãe cometeu suicídio. Cláudia foi abandonada pelo marido. Quem queria uma árvore seca? Passou a vagar pelo mundo, observando como uma dádiva tinha se tornado uma maldição.

José Eduardo Brum

One Response

  1. Se ela esquecesse a obssessão e optasse pela adoção, não descenderia sua mutação, mas com certeza acalentaria o coração!