Kurt who?

Kurt who?

Viu a camisa xadrez numa vitrine e cismou que daquele momento em diante seria grunge. Só conhecia uma música do Nirvana, aquela que o professor de violão tinha ensinado quando garoto, e se alguém falasse em Pearl Jam provavelmente confundiria com o tal porto bombardeado pelos japoneses – e que de qualquer forma, depois dos mísseis, devia ter virado geleia mesmo, afinal de contas. Mas era perdidamente apaixonado pela garota de jeans puídos e All Star surrado e surrupiara-lhe o conceito num dia em que ouviu a moçoila assegurar categoricamente que não namorava preppies.

Está certo que na loja em cuja vitrine estava seu novo objeto de desejo feito sob medida para conquistar o antigo se pagava uma cota várias vezes maior pela etiqueta do que pelo metro e meio de flanela em que estava pregada, o que a afastava em muito do tipo de comércio frequentado por gente que diz não ligar para moda. Mas era a camisa xadrez, costurada para combinar com sua nova calça Diesel recém-adquirida e gasta industrialmente em lugares estratégicos e sua camiseta de malha estampada pelo rosto de Cobain ainda com etiqueta, embora ele já tivesse se incumbido de fazer-lhe um furo supernatural com a tesoura da mãe, como se uma traça em pessoa – ou em traça mesmo – tivesse se deliciado com o tecido.

Foi por isso que, apesar do preço, entrou decididamente na loja e pediu o sonho de consumo à vendedora. Acontece que um rapaz inconveniente – que nem de jeans sujo e tênis velho estava, santo deus! – bateu o pé que tinha visto sua camisa xadrez primeiro. Não adiantou ele argumentar que necessitava daquela peça porque, ora essa, ela tinha tudo a ver com seu estilo. Chegou até a oferecer ao moço outras vezes mais o valor da roupa, mas o rival olhou-o de cima a baixo e concluiu que não devia ter sobrado um centavo em sua carteira após a astronômica aquisição da Diesel.

Saiu cabisbaixo, deixando um dos objetos de desejo para trás, para bater de frente com o outro. Surpreendentemente, porém, ela usava um vestido cor-de-rosa, saltos altos e desfilava de braços dados com o maior mauricinho do bairro, o mesmo que só vestia camisas pólo colocadas pacientemente para dentro da calça.

Deixou uma lágrima rolar em despedida ao grunge e voltou a ser punk.

Táscia Souza

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