O dragão

O dragão

Na internet a encontrou. Uma foto de um dragão vivo, imponente, grande, majestoso. Queria ser como ele. Na verdade, queria ser como o dono do dragão, uma vez que o bicho derrotado pelo famoso São Jorge era uma gigantesca tatuagem, que ia das costas à base da bunda. Se não podia fazer uma, isso não significava que não poderia ter uma.

Apossou-se da obra de arte. Tinha uma foto no armário, e nas redes sociais cibernéticas só era reconhecido através daquele dragão. As mulheres amavam aquela sinalização de Ares. Decepcionavam-se ao constatar que não era real. Mas ele era esperto: discursava sobre simbologia, mitologia, semiótica pra explicar a apropriação. Funcionava, pois elas viam naquela enrolação um homem musculoso e inteligente.

Um dia descobriu que o verdadeiro dono havia morrido. Precisava, então, agradecer. Prestaria uma última homenagem, foi ao velório. Naquele momento, decidiu que não poderia dormir tranquilo sabendo que uma parte dele iria pra debaixo da terra.

No enterro, fez amizade com o coveiro. Convidou pra tomarem algo depois. Depois de muito tempo bêbados, fez a proposta. O coveiro, que já tinha visto de tudo, aceitou. Às duas da manhã, depois que os emos já tinham ido, abriram a catacumba, viraram o dito cujo e ele cortou a pele minuciosamente com a tatuagem. Quem visse diria que era um cirurgião renomado.

Colocou em gelo e voltou pra casa feliz. Faria um transplante de pele. Daria tudo certo. Enfim seria real. Na data marcada da consulta, resolveu dar uma olhada no dragão. O cheiro era terrível, já estava em processo de putrefação. As cores se desbotaram. O bicho mais parecia um borrão. Jogou fora, sentia-se invisível, sem essência.

Mas continuou a usar a imagem. Uma boa marca permanece, apesar de tudo.

José Eduardo Brum

One Response

  1. Bem, nem preciso dizer que esse pequeno texto tem uma inspiração talvez na realidade!!!! Adorei essa pequena homenagem pra mim, e hoje podemos notar que a imaginação de uma pessoa ao escrever um texto pode acabar se tornando uma realidade, ou ser real sem o conhecimento dessa pessoa que escreveu esse texto. Muito bom!!!!!